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Estágio: formação profissional ou mercado de trabalho precarizado?

Escrito por Rafael Gandara D’Amico   

O estágio é normalmente tido como a porta de entrada para o mundo real, o acesso ao contato direto com a prática. Por meio da interação com o cotidiano de profissionais mais experientes, o estudante conseguiria se afastar dos vícios de um conhecimento puramente abstrato oriundo das salas de aula e se prepararia para ser um profissional maduro e integrado às necessidades e exigências impostas pelo mercado de trabalho. A melhor maneira de evitar que o ensino superior forme excelentes acadêmicos, mas inaptos a resolver os problemas do dia-a-dia, estaria nas lições que os graduandos podem adquirir no período de seu estágio na faculdade. Porém, na prática – não é o que interessa? – nem tudo se desenrola de tal maneira.

A lei 6.494/77 (Lei de Estágio) dispõe em seu art 1°: “As pessoas jurídicas de Direito Privado, os órgãos de Administração Pública e as Instituições de Ensino podem aceitar, como estagiários, os alunos regularmente matriculados em cursos vinculados ao ensino público e particular”. Assim sendo, temos aberta a possibilidade de o estagiário se integrar ao mundo do trabalho, tanto no setor privado quanto no setor público. Escolha o caminho que escolher, uma carreira pública ou o emprego no setor privado, existe a possibilidade para que o estudante tome contato direto com o seu destino na profissão.

A disciplina legal do estágio se preocupa com as condições do estabelecimento que irá proporcionar a oportunidade de estágio. Se assim não fosse, seria diferente a previsão do § 2°, ainda do art. 1°, da referida lei: “O estágio somente poderá verificar-se em unidades que tenham condições de proporcionar experiência prática na linha de formação do estagiário, devendo o aluno estar em condições de realizar o estágio”. Concluímos que deve a experiência do estágio profissional funcionar, antes de tudo, como um eixo paralelo na formação do futuro profissional, com características evidentemente diferentes de uma experiência de trabalho convencional.

O estágio tem de ser uma segunda escola para o estudante. Novamente, citamos a previsão da L. 6.494/77, que dispõe no § 3° de seu art. 1°: “Os estágios devem propiciar a complementação do ensino e da aprendizagem e ser planejados, executados, acompanhados e avaliados em conformidade com os currículos, programas e calendários escolares”. Sem a complementação da formação acadêmica, introduzindo o graduando à problemática prática de sua atividade futura, de nada vale o estágio.

A instituição de ensino na qual está o estudante matriculado deve zelar para que tais características estejam presentes no estágio: “A realização do estágio dar-se-á mediante termo de compromisso celebrado entre o estudante e a parte concedente, com interveniência obrigatória da instituição de ensino”. Deve a faculdade, nos termos da Lei de Estágio, intervir no termo de compromisso e exercer fiscalização para que as atividades efetivamente desempenhadas no estágio não se distanciem do escopo das normas de regulamentação do estágio.

Na prática cotidiana, no entanto, vemos que muitas vezes uma relação entre o estudante e algumas entidades se distancia bastante das previsões zelosas da lei e do que é idealizado por aqueles mais preocupados com a formação de nossos profissionais de amanhã. Temos que nos questionar por quais motivos isso acontece e a quais interesses um quadro como o descrito corresponde.

Mais uma vez, é importante a leitura lei 6.494. O art. 4° traz um dado interessante para que possamos encontrar uma resposta para a indagação proposta. O referido artigo dispõe: “O estágio não cria vinculo empregatício de qualquer natureza e o estagiário poderá receber bolsa, ou outra forma de contraprestação que venha a ser acordada, ressalvado o que dispuser a legislação previdenciária, devendo o estudante, em qualquer hipótese, estar segurado contra acidentes pessoais” (grifo nosso). Talvez a motivação que algumas companhias encontram para contratar um estagiário, normalmente afastado de funções que deveria exercer depois de formado e sem qualquer atividade que busque a complementação de sua formação, fica esclarecida quando nos deparamos com o artigo mencionado.

Estudantes de direito atuando como operadores de telemarketing, graduandos de outros cursos atuando como atendentes e outros casos em que as preocupações com o aprendizado estão bastante afastadas, demonstram exemplos em que o estágio é utilizado como uma fachada para mascarar uma relação que deveria ser de emprego. Ao invés de arcar com os custos e responsabilidades do empregador, muitos preferem empregar um estagiário que não tem os mesmos direitos previstos na lei trabalhista e fingir que estão colaborando na educação profissional de um estudante.

No mundo globalizado, a precarização do mercado de trabalho e as práticas atentatórias ao direito dos trabalhadores tomam formas cada vez mais criativas. Atrás de aparentes boas intenções, está escondido um ganancioso empregador que pretende apenas contar com um funcionário, encarado formalmente como um estagiário, despido de seus direitos fundamentais e trabalhistas. O custo mais baixo é o motor do negócio.

Cabe às instituições de ensino, que tem de intervir no termo de compromisso e fiscalizar se o estágio realmente cumpre suas funções, atuar como um importante ator na defesa dos interesses de seus alunos. Ao se depararem com uma situação em que o estágio é uma alternativa para mascarar uma relação empregatícia, não devem chancelar o termo de compromisso. É o que se espera das entidades educacionais. Resta saber se, em um país marcado pela expansão do ensino mercantilista e de baixa qualidade que, além de tudo, não prepara seus alunos – ou serão clientes? – para as exigências do mercado de trabalho, as instituições de ensino caça-níquel se interessam por desempenhar tal função. Ou será que é melhor deixar tudo como está e agradecer pelo fato de que seus alunos, muitos de renda mais baixa, encontram na relação de emprego mascarada uma forma de obter dinheiro para pagar as caras mensalidades? Se as mensalidades estão em dia, por qual razão se preocupar com a (de)formação profissional de seus alunos?



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