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Política Externa da União Européia

Escrito por Sergio Ruy David Polimeno Valente  

O presente trabalho tem por objetivo a análise, em linhas gerais, da política externa da União Européia e aspectos relacionados. Serão abordados, portanto, os temas considerados de maior relevância para esse estudo, com objetividade e abstraindo-se dados menos importantes para a compreensão da matéria.

Sumário

1 – Introdução. 2 – Considerações gerais sobre a União Européia pertinentes ao tema. 2.1 – Origem e desenvolvimento. 2.2 – Caráter “Supranacional”. 2.3 – Personalidade Jurídica. 3 – Política externa comum. 3.1 – Necessidade. 3.2 – Considerações Gerais. 3.3 – Base jurídico-institucional. 3.4 – Política comercial. 3.4.1 – A UE e o GATT. 3.4.2 – A UE e a OMC. 3.5 – Política de cooperação para o desenvolvimento. 3.5.1 – Parcerias Regionais. 3.5.1.1 – Países ACP. 3.5.1.2 – Países do Mediterrâneo. 3.5.1.3 – Países do Leste Europeu. 3.5.1.4 – Rússia. 3.5.1.5 – América Latina e Mercosul. 3.6 – Política Externa e de Segurança Comum (PESC) e a Política de Defesa (PESD). 3.6.1 – Base jurídico-institucional da PESC. 3.6.2 – Problemas práticos e resultados da PESC. 4 – Conclusão. 5 – Bibliografia

1 – Introdução

O presente trabalho tem por objetivo a análise, em linhas gerais, da política externa da União Européia e aspectos relacionados. Serão abordados, portanto, os temas considerados de maior relevância para esse estudo, com objetividade e abstraindo-se dados menos importantes para a compreensão da matéria.

2 – Considerações gerais sobre a União Européia pertinentes ao tema

2.1 – Origem e desenvolvimento

O primeiro esboço institucional de uma união européia data de 1951, com a instituição, por meio da assinatura de um tratado, da Comunidade Européia para o Carvão e o Aço. França, Alemanha (tradicionalmente incentivadoras do processo de integração), juntamente com a Itália e os países do BENELUX (Bélgica, Holanda e Luxemburgo) dão início, portanto, com a assinatura do tratado que cria a CECA e sua posterior ratificação em 1952, às primeiras linhas de uma Comunidade mais abrangente1.

Posteriormente, com o Tratado de Roma (e demais tratados modificativos2), surge a Comunidade Econômica Européia, de estrutura mais coesa e intenções mais pretensiosas, que veio, algum tempo depois, a agregar um maior número de países.

Por fim, o Tratado da União Européia, assinado em Maastricht em 07 de fevereiro de 1992, consolidou o apanhado institucional da Comunidade Européia e acrescentou novas diretrizes de construção da União, fundada em três bases principais, quais sejam: a Comunidade Européia propriamente dita, com seu ordenamento e suas instituições; a JAI (Justiça e Assuntos Internos) e a Política Externa e de Segurança Comum (PESC)3.

É importante dar atenção à evolução do sentido atribuído à Comunidade Européia, o qual, nos primórdios da instituição, era eminentemente de cooperação econômica, mas foi assumindo contornos de atuação política com o passar dos anos e com o aprimoramento de suas estruturas de cooperação. Tal fato interessa bastante a este trabalho, pois é seu objetivo a análise da atuação política da União Européia, particularmente em relação aos demais atores internacionais.

2.2 – Caráter “Supranacional”

Não obstante o importante e volumoso debate acerca da natureza jurídica da Comunidade Européia, o qual será propositadamente negligenciado pela presente pesquisa sob pena de faltar com a objetividade necessária, é mister ressaltar esclarecer no que consiste a chamada “supranacionalidade” da União Européia.

Ainda que se considere (corretamente) antiquado o termo “supranacional”4, dada a obsolescência dos tradicionais conceitos de Direito Internacional e de Teoria Geral do Estado, sendo portanto cientificamente incorreta a conseqüente classificação, atenta-se para o desenvolvimento constante de um ordenamento jurídico comum e uma integração constitucional, os quais auferem sua legitimidade não mais da adesão à tratados ou por meio de negociações inter-governamentais, mas sim de instituições que se colocam “acima” dos estados membros da União, mesmo admitindo-se que, juridicamente, a competência dessas instituições foi originalmente atribuída por tratados5. Premissa esta fundamental para a elaboração de uma política comum, posto que, sem a vinculação jurídica a priori por trás dessa idéia de “supranacionalidade” não há como se superar os choques de interesse suscitados por qualquer questão de posicionamento ou ação política.

2.3 – Personalidade Jurídica

O tratado de Roma, em seu artigo 281, dispõe claramente que a Comunidade Européia tem personalidade jurídica. O mesmo preceito pode ser encontrado nos textos de diversos outros tratados posteriores6.

Em que pesem algumas restrições teóricas à essa noção, já superadas, pode-se afirmar com tranqüilidade que a União Européia possui “existência própria, caráter permanente, vontade distinta daquela de seus membros, bem como autonomia de atuação, cujo exercício se dá por meio de órgãos, patrimônio e recursos próprios”7.

A Comunidade Européia está, portanto, habilitada para atuar no cenário internacional como qualquer outro tradicional ator, podendo celebrar acordos comerciais e de outros gêneros, além de poder fazer sua “voz” ser ouvida e considerada como postura política européia una. Tais prerrogativas, no entanto, encontram limitações de caráter muito mais pragmático do que institucional, como será visto mais adiante.

Há que se falar ainda que apenas a Comunidade Européia possui personalidade jurídica (e não a UE), sendo aquela a única legítima para firmar acordos internacionais, de tal sorte que mesmo quando se falar, ao longo deste trabalho, em “atuação da União Européia”, subentender-se-á a personalidade jurídica e legitimidade exclusiva da Comunidade.

3 – Política externa comum

3.1 – Necessidade

No fim do século XX, o mundo geopolítico passou por significativas transformações, cujo marco maior é, sem dúvida, a queda do muro de Berlim em 1990. A antiga configuração do cenário internacional pós-Segunda Guerra Mundial, marcada pela bipolaridade entre Estados Unidos e União Soviética, dá lugar a uma nova ordem internacional, unipolar, em que os EUA aparecem como única superpotência mundial. O fim da polaridade Leste/Oeste culminou com o aparecimento de duas “forças” importantes, motores principais das atuais transformações por que passa a cena internacional. A primeira, a da globalização, com o encurtamento das distâncias, desenvolvimento das comunicações e revolução no campo da tecnologia da informação8, flexibilizando as tradicionais idéias de fronteira, território e Estado-Nação. A segunda, a lógica da fragmentação, em que se ascendem os particularismos, os conflitos regionais, as identidades culturais e nacionais. Duas forças aparentemente contraditórias mas complementares9 nessa nova e certamente muito mais complexa ordem internacional.

No cenário anterior, bipolar, em que a guerra fria era o centro das atenções políticas e o ponto de partida para qualquer reflexão sobre a atuação de um Estado, a importância de uma política externa autônoma da Comunidade Européia se via diminuída frente à tendência natural de alinhamento, tanto comercial como, principalmente, político-militar, com a superpotência capitalista, a saber os Estados Unidos. Tal posição, ainda que voluntária, era mais uma questão de garantir-se contra o potencial domínio soviético do que de uma escolha autônoma propriamente dita. Assim, não restavam muitas escolhas das quais o debate acerca da política externa deveria se ocupar. Exemplo paradigmático é a “Cooperação Política Européia” (no quesito segurança) dos anos setenta oitenta, que se limitou a produzir declarações praticamente inócuas, já que feitas bem após o acontecimento dos fatos sobre os quais versavam10.

Com a queda do muro de Berlim e a derrocada do império soviético, e com os reflexos do que foi aqui chamado de “lógica da fragmentação”, como a instabilidade nos Balcãs e problemas no Leste Europeu recém-independente, novas responsabilidades surgem para a Europa. Ademais, a queda da URSS deixou um legado potencialmente ameaçador, qual seja o de uma superpotência “vencedora” e sem limitações, criando a necessidade da afirmação de um pólo europeu e oposição aos EUA.

3.2 – Considerações Gerais

A política externa da União Européia pode ser analisada por três11 bases distintas e correlacionadas: a política comercial comum, a cooperação para o desenvolvimento e a política de segurança comum12. Cada uma dessas vertentes tem premência oriunda de épocas e situações diferentes e são resultado da evolução institucional da Comunidade Européia ao longo de meio século.

Como já foi mencionado, a origem da CE e seus primeiros passos são no sentido da integração econômica. Tanto o BENELUX, a CECA e mesmo a CE tinham como objetivos primeiros a cooperação econômica e comercial. Tanto que um dos mais significativos instrumentos de integração entre os países europeus foi a adoção de uma tarifa externa comum13.

Com o passar do tempo e o aprimoramento das instituições jurídicas comunitárias, foi ganhando importância a questão da cooperação para o desenvolvimento, traduzindo-se em ajudas humanitárias, investimentos sociais e auxílios diversos para os países em desenvolvimento ou, na terminologia tradicional mas já ultrapassada, “países de terceiro mundo”. Tal postura é ainda mais destacada quando enfatizamos a “base ideológica” sobre a qual se funda a União Européia, calcada no respeito aos direitos humanos, no desenvolvimento sustentável e na democracia como forma de governo.

Com o fim da guerra fria e o advento de uma nova ordem mundial não mais baseada na noção de bipolaridade, surge a necessidade de uma política externa de segurança comum, cuja base jurídica e empírica é bem recente e constitui objeto, atualmente, de grandes reflexões e críticas, que poderão resultar, num futuro próximo, numa revisão do atual sistema.

Finalmente, é importante salientar que, em linhas gerais, a União Européia possui, para a definição e execução da política externa comum, três meios: tomada de posições comuns, atuação comum e representação comum14. Resta analisar em que termos se dá, na prática, a definição da política externa levando em conta esses instrumentos.

3.3 – Base jurídico-institucional

As instituições competentes para elaboração, atuação e representação comuns da União Européia estão previstas no tratado da União Européia, mas são consideradas distintamente – possuindo pois funções e atribuições diversas – quando tratamos de cada uma das vertentes da política externa da UE. Assim, enquanto, por exemplo, a Comissão e o Parlamento possuem determinada participação no que concerne às políticas comerciais, tal influencia é extremamente reduzida no caso da política de segurança comum, na qual o Conselho detém quase a totalidade de prerrogativas. Assim, “os princípios, as regras jurídicas e os mecanismos institucionais referentes à Política Externa e de Segurança Comum são completamente diferentes das políticas comerciais e de cooperação15. Sobre o papel de cada instituição e suas competências para a elaboração e execução de políticas externas, veremos em pormenores mais adiante.

3.4 – Política comercial

O Tratado de Roma conferiu à Comunidade Européia exclusividade em matéria de política comercial, de modo que a CE é competente, portanto, para negociar e atuar em nome de seus Estados Membros, coletivamente considerados16. A política comercial comum baseia-se então na transferência de competências dos Estados-membros para a Comunidade.

É na parte III, Título IX do referido tratado que encontramos as principais disposições acerca do tema, bem como a previsão dos meios para sua execução.

Do ponto de vista prático, a adoção de uma tarifa externa comum, nos fins da década de 60 e o uso de mecanismos antidumping e de salvaguardas, de forma corrente e institucionalizada, contribuiu em muito para a consolidação dessa política comercial.

3.4.1 – A UE e o GATT

Deve-se salientar que transferência de competências prevista no artigo 133 do Tratado de Roma referia-se, na época, apenas ao comércio de mercadorias, embora não haja clara definição sobre o real sentido da redação do dispositivo. Quando a participação de outros tipos de atividades comerciais começou a aumentar relativamente ao comércio de mercadorias, como no caso dos serviços e da propriedade intelectual, surgiram problemas com relação à negociação sobre esses itens do GATT, o que forçou a uma “quebra” do sistema de política comercial inicialmente concebido, já que os acordos em questão tiveram de ser assinados pela Comunidade Européia e pelos Estados-membros, conjuntamente. A despeito de tentativa de retificação proposta no Tratado de Amsterdã, o problema só foi solucionado pelo Tratado de Nice17. Tais negociações passaram a ser de competência da Comunidade, excetuando-se os serviços culturais e audiovisuais, de educação e sociais.

É mister notar, ainda, que a postura “em bloco” da Comunidade Européia na Rodada Kennedy, nos anos 60, foi um dos passos mais importantes no sentido de uma política comercial comum. Foi com essa atuação junto ao GATT, portanto, que a CE começou a falar “com uma só voz” no plano internacional18.

3.4.2 – A UE e a OMC

A forma mais utilizada para dar concretude à política comercial comum da União Européia é a feitura de acordos comerciais, notadamente aqueles realizados no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Os procedimentos para a realização desses acordos estão dispostos no artigo 300 do Tratado de Roma.

Com relação à postura da União Européia nas rodadas de negociações no âmbito da OMC, podemos resumi-las da seguinte maneira19:

a) como posição geral, a União Européia é a favor da crescente liberalização do comércio internacional;

b) prega também o fortalecimento do sistema multilateral de comércio e fortalecimento da OMC;

c) defende, no âmbito das negociações comerciais, práticas (que podem ou não se traduzir em restrições) em acordo com os princípios sobre os quais se funda a UE, como os Direitos Humanos e o Desenvolvimento sustentável, a promoção do bem estar coletivo, além de, mais especificamente, a proteção da saúde das pessoas, potencialmente ameaçada pela importação de certos produtos;

d) mantém, ainda, amplas restrições à abertura de seu mercado agrícola e defende suas práticas de subsídio no que tange a essa atividade econômica, por considerar a agricultura uma atividade muito mais ampla do que a mera função de produção.20

3.5 – Política de Cooperação para o Desenvolvimento

A União Européia também atua fortemente em políticas visando o desenvolvimento sob as bases ideológicas nas quais se funda. A atuação da UE, no entanto, é apenas complementar à dos seus Estados-membros. Os alvos dessas políticas são justamente os países em desenvolvimento, e essas são quase sempre atreladas aos valores norteadores da UE, como a democracia e os direitos humanos. Os acordos de cooperação firmados pela UE possuem, normalmente, uma cláusula política que prescreve a obediência da nação que recebe o auxílio a uma série de pontos valorativos fundamentais, como a manutenção da democracia, combate à corrupção, etc.

O auxílio assume formas diferentes para cada situação. Pode ser econômico – como uma parceria comercial preferencial ou ajuda financeira direta – , social, ambiental ou humanitária.

Com relação a esta última, trata-se de casos em que o país em desenvolvimento passa por catástrofes ou desastres de qualquer gênero, os quais demandam um auxílio internacional visando à assistência das vítimas e reconstrução da infraestrutura básica.

3.5.1 – Parcerias Regionais

3.5.1.1 – Países ACP

A União Européia Possui acordos comerciais e de cooperação com os países da África subsaariana, do Caribe e do Pacífico (ACP), nações que foram, em sua maioria, colônias dos Estados-membros da Comunidade Européia. Tais parcerias desenvolvem na prática um comércio preferencial, e são condicionadas, como foi dito, à observância de cláusulas políticas, como o respeito aos direitos humanos e democracia.

Essas parcerias sofrem problemas diante das novas regras da OMC, e seu caráter será alterado em parte, muito provavelmente, até 2008, quando vence o prazo de transição estabelecido pela Organização21.

3.5.1.2 – Países do Mediterrâneo

A parceria com os países da bacia do Mediterrâneo se dá em três frentes: política, visando a promoção da paz na região; econômica, visando a integração comercial e o desenvolvimento sustentável; cultural, visando à preservação da cultura da região. Insere-se dentro desse contexto a ajuda financeira à Autoridade Palestina, ainda que a postura da UE com relação à política externa de segurança seja de um equilíbrio de forças entre os povos da localidade visando à paz22.

3.5.1.3 – Países do Leste Europeu

Dada a recente entrada de países na União Européia, o estudo das parcerias que envolveram os países do leste europeu perde muito de sua atualidade. É importante dizer, apenas, que a postura da UE com relação a esses países, quando do fim de seus regimes totalitários nos idos da década de 80, foi o de estímulo à integração, culminando hoje no que é chamado de “alargamento” da União Européia23.

3.5.1.4 – Rússia

O primeiro acordo de cooperação firmado com a Rússia data de 1994, mas é após a crise financeira de 1998 que as relações começaram a se estreitar. Destaca-se o acordo firmado cujo objeto são os recursos energéticos abundantes da Rússia, como o petróleo e o gás natural.

3.5.1.5 – América Latina e Mercosul

A América Latina é um dos principais alvos da política européia de cooperação para o desenvolvimento24. Além disso, importantes acordos comerciais estão em vigor entre as duas regiões.

O principal parceiro comercial da União Européia na América Latina é sem duvida o Mercosul. Em 15 de dezembro de 1995, os dois entes assinaram um amplo acordo inter-regional de cooperação em diversos níveis25.

As relações comerciais e de cooperação entre as duas regiões só não são maiores em virtude das particularidades que assolaram recentemente os países-membros do Mercosul, a saber as crises da Argentina e do Brasil, o que provocou um desinteresse prático, por parte desses países, sobre o desenvolvimento mais acelerado do bloco.

Outra dificuldade histórica diz respeito ao protecionismo agrícola europeu, constituindo entrave ao comércio exterior do Mercosul, em que a agricultura detém grande parte exportações. A reforma da Política Agrícola Comum da UE (PAC) certamente ainda é tabu nas negociações26, sendo que a postura européia é a de evitar a discussão de temas como esse senão em sede de rodadas da OMC.

Contudo, a atual conjuntura faz crer que a parceria (já de longa data) entre União Européia e Mercosul, ambas instituições de aspiração grociana27, a despeito da assimetria inevitável, tende a crescer e render frutos futuros.

3.6 – Política Externa e de Segurança Comum (PESC) e a Política de Defesa (PESD)

A terceira vertente da política externa da União Européia refere-se às questões de segurança e defesa e é exatamente nesse campo que surgem os maiores desafios. Os antecedentes dessa política podem ser encontrados na “Cooperação Política Européia” dos anos 70 e 80, a qual, já se disse aqui, não cumpria bem o papel para o qual se propunha. E isso tem uma razão bem simples. Principalmente com relação à questões de defesa e segurança, a Europa se viu, pós-Segunda Guerra Mundial, inclinada naturalmente ao alinhamento com os Estados Unidos, e a influência que este exercia sobre a Europa por meio da atuação na OTAN, notadamente em oposição às pretensões imperiais soviéticas, ofuscava qualquer pretensão de autonomia da Comunidade para decidir independentemente sobre questões de segurança.

O cenário começou a mudar depois da dissolução da URSS e dos regimes totalitários do Leste Europeu, fato este que confiou à UE uma enorme responsabilidade em questões de segurança, visto que os conflitos étnicos históricos de certas regiões (como os Balcãs), juntamente com as grandes questões de ameaça à paz advindas do Oriente Médio, se tornaram pauta principal de discussão da opinião pública mundial.

Dessa maneira, sentiu-se necessidade de a Europa ter “uma só voz”, para que pudesse influenciar de forma satisfatória nos processos que estavam se desenrolando e ter, ademais, “uma só ação”, no sentido de melhor garantir a segurança da Comunidade.

A PESC, portanto, deve ser desenvolvida pela UE. Esse desenvolvimento se dá pelo modelo inter-governamental, cabendo à cada Estado-membro o apoio a esse política e a abstenção de qualquer atitude a ela contrária28.

3.6.1 – Base jurídico-institucional da PESC

A PESC está prevista no Título V do tratado de Maastricht e em dispositivos esparsos do Tratado de Amsterdã. Está prevista ainda, dentro da PESC, a PESD (Política Externa de Segurança e Defesa), conjugando inclusive esforços militares e possíveis ações desse caráter.

Do ponto de vista institucional, é o Conselho que possui as maiores prerrogativas. Destaque ainda para a figura do Secretário-Geral do Conselho, o qual possui o título de Alto Representante para a PESC. Já o papel da Comissão, ao contrário do que ocorre na política comercial e de cooperação, fica adstrito à poucas atuações e quase nenhuma influência29.

3.6.2 – Problemas práticos e resultados da PESC

As palavras de JAVIER SOLANA, em artigo publicado em 2001, antes dos acontecimentos de 11 de setembro daquele ano, ao traçar um diagnóstico dos problemas enfrentados até então pela PESC e adotar uma postura otimista para o futuro, ironicamente fez, isso sim, verdadeiro prognostico do que viria a acontecer na Europa nos anos seguintes: “El cambio de postura de Gran Bretaña, tradicionalmente opuesta a confiar a la UE responsabilidades en materia de defensa, facilitó en gran maneira el desarrollo de la PESD.30

Na prática, os resultados da Política Externa e de Segurança Européia não foram, até então, satisfatórios. Para a ilustração desse quadro, é interessante a análise de dois casos bastante conhecidos, a saber os conflitos na ex-Iugoslávia da década de 90 e a recente guerra EUA-Iraque.

Com relação ao primeiro, pôde-se observar que, a despeito da proximidade do conflito com as fronteiras da Comunidade, e portanto sua enorme importância para a região, a União Européia teve papel coadjuvante na intervenção militar realizada à época, sendo que foi dos Estados Unidos, direta ou indiretamente o comando da operação.

Já no caso da Guerra EUA-Iraque de 2003, o que houve foi uma verdadeira divisão da Europa. De um lado o eixo franco-alemão, de outro a Inglaterra, pró-EUA, juntamente com países do Leste, Itália e Espanha. A PESC acabou simplesmente não funcionando, e a figura do Alto Representante para a política externa, Javier Solana, ficou “apagada”31.

4 – Conclusão

Após a análise – ainda que breve e não-aprofundada – da política externa da União Européia, podemos afirmar que, com relação à política comercial e a de cooperação para o desenvolvimento, as bases institucionais européias estão bem assentadas e os resultados alcançados, mesmo diante de problemas fatalmente presentes, são razoavelmente satisfatórios. Tal sucesso se deve, provavelmente, à antiguidade dessas políticas, particularmente a comercial, dado o caráter econômico dos primórdios da Comunidade Européia.

Com relação à PESC, mais precisamente referindo-se às questões de segurança e defesa, considera-se que ainda há muito o que se fazer e reformular. Não são por acaso os dizeres de CHRIS PATTEN: “No pretendo desempeñar el papel del ‘cándido’ de Voltaire proclamando a los cuatro vientos que estamos en el mejor de los mundos. Aunque la política exterior común está efectivamente en marcha, es cierto que con relativa frecuencia avanza a tronpicones.32”.

Mas, é bom lembrar, a Política Externa e de Segurança da União Européia só teve espaço para se desenvolver, como já se disse, da década de 90 em diante, após a queda do muro de Berlim. Daí contam-se 14 anos passados. Pode parecer muito, mas, em termos de História, esse lapso de tempo é quase nada. Assim, é crível que a PESC, apesar de todos os problemas enfrentados, desenvolver-se-á cada vez mais e terá certamente, num futuro não muito remoto, o sucesso hoje almejado.

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1CASELLA, Paulo Borba. União Européia. Instituições e Ordenamento Jurídico. São Paulo: Ltr, 2002. p. 65.

2Tratado de Fusão, Tratados de Adesão e Ato Único Europeu.

3CASELLA, Paulo Borba. União Européia. Instituições e Ordenamento Jurídico. São Paulo: Ltr, 2002. p. 52.

4CASELLA, Paulo Borba. União Européia. Instituições e Ordenamento Jurídico. São Paulo: Ltr, 2002. p. 219.

5D’ARCY, François. União Européia. Instituições, Políticas e Desafios. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer, 2002. p. 193.

6CASELLA, Paulo Borba. União Européia. Instituições e Ordenamento Jurídico. São Paulo: Ltr, 2002. p. 220.

7CASELLA, Paulo Borba. União Européia. Instituições e Ordenamento Jurídico. São Paulo: Ltr, 2002. p. 221.

8CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. v. 1. São Paulo: Paz e Terra, 2001. p. 52.

9LÁFER, Celso. O cenário mundial e o relacionamento União Européia/Mercosul in Política Externa. v. 9, nº 1. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 88 – 89.

10PATTEN, Chris. Una Política Exterior Común para Europa in ROY, Joaquim – RIVERA, Roberto Domínguez (coord). Las Relaciones Exteriores de la Unión Europea. Cid. México: Plaza y Valdéz, 2001. p. 26.

11Atenção também para a classificação proposta de Solis em 4 âmbitos: institucional, comercial, política de desenvolvimento da União e implicações recíprocas. (SOLIS, José Antonio Nieto. Fundamentos y Políticas de la Unión Europea. Madrid: Siglo Veintiuno de España, 1995. p. 136.)

12D’ARCY, François. União Européia. Instituições, Políticas e Desafios. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer, 2002. p. 193.

13D’ARCY, François. União Européia. Instituições, Políticas e Desafios. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer, 2002. p. 198.

14SIDJANSKI, Dusan. O Futuro Federalista da Europa (tit. orig. L’Avenir Fedéralise de L’Europe , 1992, trad. M. Carvalho). Lisboa: Gradiva, 1996. p. 280 – 281.

15D’ARCY, François. União Européia. Instituições, Políticas e Desafios. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer, 2002. p. 194.

16FONTAINE, Pascal. A União Européia (tit. orig. L’Union Européenne, 1994, trad. A. Moura). Lisboa: Estampa, 1995. p.157.

17D’ARCY, François. União Européia. Instituições, Políticas e Desafios. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer, 2002. p. 198.

18SIDJANSKI, Dusan. O Futuro Federalista da Europa (tit. orig. L’Avenir Fedéralise de L’Europe , 1992, trad. M. Carvalho). Lisboa: Gradiva, 1996. p. 271.

19ROSAS, Maria Cristina. Las relaciones comerciales internacionales de la Unión Europea in ROY, Joaquim – RIVERA, Roberto Domínguez (coord). Las Relaciones Exteriores de la Unión Europea. Cid. México: Plaza y Valdéz, 2001. p. 112.

20D’ARCY, François. União Européia. Instituições, Políticas e Desafios. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer, 2002. p. 202.

21D’ARCY, François. União Européia. Instituições, Políticas e Desafios. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer, 2002. p. 204.

22D’ARCY, François. União Européia. Instituições, Políticas e Desafios. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer, 2002. p. 206.

23D’ARCY, François. União Européia. Instituições, Políticas e Desafios. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer, 2002. p. 207.

24FONTAINE, Pascal. A União Européia (tit. orig. L’Union Européenne, 1994, trad. A. Moura). Lisboa: Estampa, 1995. p. 164.

25ROSAS, Maria Cristina. Las relaciones comerciales internacionales de la Unión Europea in ROY, Joaquim – RIVERA, Roberto Domínguez (coord). Las Relaciones Exteriores de la Unión Europea. Cid. México: Plaza y Valdéz, 2001. p. 124.

26CRAWLEY, Andrew. Hacia una asociación Unión Europea-Mercosur: el largo camino hacia la liberalización comercial in ROY, Joaquim – RIVERA, Roberto Domínguez (coord). Las Relaciones Exteriores de la Unión Europea. Cid. México: Plaza y Valdéz, 2001. p. 290.

27LÁFER, Celso. O cenário mundial e o relacionamento União Européia/Mercosul in Política Externa. v. 9, nº 1. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 89 – 91.

28CASELLA, Paulo Borba. União Européia. Instituições e Ordenamento Jurídico. São Paulo: Ltr, 2002. p. 230

29D’ARCY, François. União Européia. Instituições, Políticas e Desafios. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer, 2002. p 214 – 215.

30SOLANA, Javier. La Política Europea de Seguridad y Defensa: una Unión preparada para contribuir a la gestión de crisis y a la paz in ROY, Joaquim – RIVERA, Roberto Domínguez (coord). Las Relaciones Exteriores de la Unión Europea. Cid. México: Plaza y Valdéz, 2001. p 31.

31VASCONCELOS, Alvaro de. A crise européia e a ordem mundial in Política Externa. v. 12, nº 1. São Paulo: Paz e Terra, 2003. p. 69.

32PATTEN, Chris. Una Política Exterior Común para Europa in ROY, Joaquim – RIVERA, Roberto Domínguez (coord). Las Relaciones Exteriores de la Unión Europea. Cid. México: Plaza y Valdéz, 2001. p. 25.



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