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Peças jurídicas em forma de poesia

Lembro que na primeira vez que li uma peça jurídica feita em forma de versos com ritmo e métrica, achei sensacional. Era eu, então, estudante no primeiro ano da Faculdade de Direito, e a referida peça um agravo de instrumento de um colega recém graduado.

Os anos passaram e outras peças parecidas chegaram ao meu conhecimento, umas muito interessantes, outras nem tanto.

Várias foram as peças poéticas que tive oportunidade de ler. Muitas petições de advogados, algumas decisões judiciais, e agora um despacho de um delegado de polícia (http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2011/08/03/delegado-faz-relatorio-de-crime-em-forma-de-poesia-e-e-repreendido-veja-integra.jhtm).

Junto com a constatação de que petições-poesia eram mais comuns do que eu pensava, meu conceito sobre elas acabou se transformando.

Em primeiro lugar, não discuto de forma alguma a legalidade, a priori, dos atos processuais escritos em linguagem poética, sejam eles praticados por advogados, servidores públicos ou agentes políticos. Ou seja, não seria só por causa da forma poética que uma determinada peça não estaria de acordo com o Direito. O Código de Processo Civil, acerca da forma dos atos processuais, assim dispõe:

Art. 154.  Os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, Ihe preencham a finalidade essencial.
[…]
Art. 156.  Em todos os atos e termos do processo é obrigatório o uso do vernáculo.

Assim, em tese, cumpridos os requisitos da lei, e escritos na língua pátria, os atos tem forma livre.

O que é extremamente discutível, isso sim, é a conveniência dessas peças-poesia no dia-a-dia dos operadores do Direito e algumas vezes a própria legalidade, dependendo de como são feitas. Para melhor exprimir minha opinião, vou dividir a questão em duas.

Primeiro, sobre a questão dos atos praticados por juízes, delegados, promotores, etc. Como já dito, a forma em si dos atos processuais, individualmente considerada, não é suficiente para eivar de ilegalidade qualquer ato praticado no processo. No entanto, é importante considerar que uma decisão judicial, por exemplo, por ter a função de afirmação do Direito no caso concreto, deve primar pela precisão de sua linguagem, buscar ser unívoca em sentido, ser o mais clara possível e jamais trazer em si qualquer ambiguidade. Do mesmo modo a denúncia escrita por um promotor, tocando numa das esferas mais sagradas do ser humano – a liberdade. Já a linguagem poética, por outro lado, se vale de figuras de linguagem, ambiguidades, pluralidade de sentidos, recursos estéticos vários que, muitas vezes, sacrificam, intencionalmente ou não, a clareza racional do discurso. Assim, por exemplo, se a poesia no ato processual proveniente de servidor ou agente político prejudicar de alguma forma a clareza do texto, pode-se sim argumentar ser o ato e a conduta do agente irregulares.

A segunda questão diz respeito a essa prática por parte dos advogados. Sem qualquer corporativismo meu, creio que esses profissionais tem um pouco mais de liberdade do que os agentes do Estado para utilizarem esse “recurso” em suas petições, em especial quando a causa versar sobre direitos disponíveis. Isso porque, apesar de também cumprirem uma função pública, os advogados se manifestam sempre em nome de seus constituintes (clientes), e não em nome do Poder Público. Isso, claro, tratando do tema da legalidade do ato. Do ponto de vista da conveniência e adequação, creio que a restrição do advogado seja ainda maior do que a do agente público. Afinal, o patrono tem o dever de zelar sempre pelo interesse do cliente, e sabe-se que as petições-poesia, geralmente de leitura mais lenta e truncada, tomam tempo desnecessário dos julgadores, por vezes até criando animosidades, podendo diminuir as chances de sucesso no processo. Ou seja, do ponto de vista da advocacia, tal prática é contraproducente, nociva à causa em 99% dos casos. Mais importante, há ainda a questão ética, que exigiria o consentimento prévio do cliente para qualquer modo heterodoxo de proceder no processo, versos incluídos.

Por fim, penso que no atual momento da tecnologia, que permite que cada pessoa possa ter gratuitamente o seu veículo próprio de publicação em nível mundial na internet, nada justifica que façamos uma confusão de papeis e deixemos nossos egos de poetas se sobreporem aos deveres enquanto juristas no dia-a-dia da profissão. Há hoje uma infinidade de juízes, desembargadores e advogados também poetas, com obras líricas publicadas, em meio impresso ou blogs, sem que isso atrapalhe ou contamine a prática do Direito. Creio ser o exemplo a ser seguido.



  1. Aldemá de Morais (Reply) on terça-feira 9, 2011

    Tenho vários trabalhos acadêmicos em versos “rimados e metrificados” a pedido dos próprios professores (Curso de Contabilidade).

    Hoje bacharelando em Direito, recebi convites dos professores para apresentar trabalhos em versos. Sinto mais facilidade em desenvolver trabalhos em versos que em prosa. Sou poeta de cordelista ou de bancada.

    Aldemá de Morais
    Crato-Ceará

    • KARINA (Reply) on terça-feira 9, 2011

      Olá, Aldemá.
      Legal a temática do texto do Sergio, né? Pode entrar em contato comigo sobre um assunto relacionado a publicação de cordéis em sua cidade para um estudo de mestrado?
      Karina Mansur